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Reação de servidores à opressão do governo Bolsonaro barrou desmonte das instituições

Durante o governo Bolsonaro, servidores federais precisaram aprimorar suas estratégias contra o desmonte institucional. Com o aumento das opressões ao funcionalismo público, o custo individual da contestação se tornou mais alto para os funcionários, que passaram a formalizar suas reações através, por exemplo, de processos judiciais coletivos.  Os aprendizados da relação conflituosa entre governo e servidores são descritos por artigo de pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) e da Universidade de Brasília (UnB) publicado na segunda-feira (20) na “Revista Brasileira de Ciência Política”.

A pesquisa mapeou estratégias de opressão do governo Bolsonaro e de reação dos funcionários públicos a partir de entrevistas realizadas de dezembro a maio de 2020 com 165 servidores federais de 15 órgãos governamentais, que atuam em áreas como planejamento, desenvolvimento social e econômico, saúde e meio ambiente. As estratégias foram classificadas como formais (com uso de mecanismos oficiais, como decretos e instruções normativas) ou informais (realizadas por mensagens de texto, por exemplo) e como coletivas ou individuais.

A abertura de processo administrativo contra um servidor a partir de acusações indevidas ou arbitrárias, exonerações e mudanças de postos de trabalho à revelia do funcionário público foram estratégias formais individuais de opressão observadas pelo estudo e causaram impacto na saúde mental dos trabalhadores. Outras táticas como assédio e ameaças informais aos indivíduos, que têm um efeito mais restrito na carreira dos servidores, também foram observadas.

A opressão formal e coletiva pode ser vista em ameaças como a responsabilização disciplinar de servidores por postagens em redes sociais, conforme nota técnica publicada pela Controladoria Geral da União em 2020, e barreiras de acesso aos sistemas de informação e documentos oficiais. A ocupação de cargos públicos por militares durante o governo Bolsonaro também cerceou o trabalho dos servidores. As estratégias de reação dos burocratas foram mais custosas nesse cenário, pois exigiram medidas judiciais e organização de resistência coletiva através de associações e sindicatos.

A pesquisadora da FGV EAESP Gabriela Lotta, uma das autoras do trabalho, explica que os representantes do governo Bolsonaro apostaram em punições exemplares para gerar a sensação de que ações individuais teriam um custo muito alto aos servidores. Isto provocou mudanças nas estratégias de reação desde o início do governo. “Ao longo do tempo, foi se construindo um clima de medo. Por exemplo, começou a circular a informação de que os celulares estavam sendo rastreados, e então os servidores começaram a ficar com medo de mandar mensagens. Por isso, mesmo que seja mais difícil e mais caro, os funcionários públicos passaram a formalizar e coletivizar a estratégia, o que os protegia muito mais individualmente”.

Segundo Lotta, as fragilidades institucionais identificadas pelo trabalho servem de aprendizado para o atual governo e para um melhor funcionamento da administração pública, contribuindo para o fortalecimento da democracia. Um dos aprendizados é que os comitês de ética ou as corregedorias, espaços que ajudam a proteger o servidor, não podem ser ocupados por representantes políticos, como foi feito pelo governo anterior. “Precisamos de uma agenda que garanta a autonomia desses espaços de denúncia e a proteção dos servidores contra práticas como remoção e exoneração”, frisa a autora.

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Caso BBB: entenda a diferença entre paquera e crime

Jurista explica que a diferença entre flerte e importunação pode ser sutil e reforça: o que prevalece é a palavra da vítima

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A primeira expulsão dupla de participantes do Big Brother Brasil virou caso de polícia e movimentou a internet. Eliminados, os participantes MC Guimê e Cara de Sapato estão sendo investigados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro pelo crime de importunação sexual. A conduta dos ex-integrantes e a investigação provocaram dúvidas e suscitaram polêmicas nas redes. Afinal, o que separa o flerte do crime? “Quando a vítima não quer a aproximação, mesmo que gentilmente, ela sinaliza. Qualquer insistência dali em diante já pode ser considerada crime”, explica Jacqueline Valles, jurista, mestre em Direito Penal e conselheira do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).


A criminalista conta que, a princípio, o caso se parece com importunação sexual, crime previsto no Artigo 215 A do Código Penal e punido com pena de 1 a 5 anos de prisão. “Ela, por ser visitante e estrangeira, claramente tenta ser gentil diante das investidas, mas não consente em nenhum momento. Ela expressamente diz ‘não’, tira as mãos de um deles das suas costas e, portanto, sinaliza que não queria aquele tipo de contato. Isso é suficiente para caracterizar a importunação sexual”, detalha Jacqueline.

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Os participantes foram flagrados pelas câmeras tocando a visitante mexicana Dania Méndez de forma indesejada. MC Guimê acaricia as costas e as nádegas dela durante uma festa, enquanto Cara de Sapato admitiu aos participantes ter “roubado um beijo” da estrangeira, em cena também registrada pelas câmeras do programa. “As imagens falam por si. Não há sinais de que a moça esteja confortável com a situação, mas sim sendo gentil com todos. Nesse caso, tanto a chamada ‘mão-boba’ de um dos participantes, quanto as cantadas insistentes do outro, a ponto de roubar um beijo, demonstram que não havia consentimento dela. Essa é uma condição indispensável para a caracterização do crime”, explica.

Estupro
A criminalista explica que a legislação avançou para proteger as vítimas das diversas formas de agressão sexual. Dependendo do caso, mesmo que a vítima não seja tocada, pode-se caracterizar o estupro. “Se, para satisfazer sua lascívia, o agressor agir com violência ou grave ameaça para constranger a vítima a fazer o que ele deseja, é estupro, mesmo sem nenhum contato físico”, define.

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Assédio sexual
Já o assédio sexual precisa de uma condição específica para ser caracterizado: a hierarquia. “O assédio é cometido quando uma pessoa em posição hierárquica superior se aproveita disso para tentar uma aproximação indesejada com um subordinado. Geralmente ocorre nas relações de trabalho, em que a vítima teme ser perseguida ou sofrer represálias se for enfática nas negativas. O agressor usa a própria posição no ambiente de trabalho para forçar uma relação não desejada pela outra pessoa. Mesmo sem ameaça explícita, a posição hierárquica é suficiente para constranger a vítima nos casos de assédio”, conclui Jacqueline Valles.

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Deputado direitista quer fim de tribunais e órgão que combate a trabalho escravo

O deputado federal da direita, Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), está empenhado em aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no Congresso Nacional que eliminaria o Ministério Público do Trabalho (MPT) e todas as cortes de Justiça trabalhistas, como as varas do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

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Se aprovada, essa medida eliminaria a fiscalização e a punição da exploração ilegal da mão-de-obra, incluindo práticas semelhantes ao trabalho escravo, que foram comuns durante os quatro séculos em que o Brasil esteve sob o controle da família imperial portuguesa, da qual Luiz Philippe de Orleans e Bragança é descendente dos imperadores do Brasil Pedro I e Pedro II.

Orleans e Bragança, que se autointitula príncipe, apesar de a monarquia ter sido abolida no Brasil em 1889, já obteve 66 assinaturas, incluindo a sua própria, para a aprovação da PEC. No entanto, são necessárias 171 assinaturas, o equivalente a três quintos do parlamento, para que a proposta comece a tramitar, e 308 votos no plenário da Câmara para que seja aprovada.

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A maioria dos deputados que formalmente aderiram à PEC do deputado “príncipe” é dos estados de Santa Catarina (oito dos 16 integrantes da bancada assinaram) e do Rio Grande do Sul (oito dos seus 31 representantes já deixaram o registro favorável), onde ocorreram recentemente os casos mais emblemáticos de flagrantes de trabalho análogo à escravidão.

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Estudo feito por brasileiros e chineses compatibiliza dois princípios fundamentais da teoria quântica

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Concebida e formulada ao longo das três primeiras décadas do século 20, a teoria quântica já é centenária. Capaz de descrever com precisão uma ampla variedade de fenômenos – proeminentes nas escalas molecular, atômica e subatômica –, possui também um extenso rol de usos tecnológicos. Basta lembrar três aplicações que se tornaram quase onipresentes na vida cotidiana: os dispositivos a laser para leitura de códigos de barra, o LED (sigla em inglês para diodo emissor de luz) e o GPS (sigla em inglês para sistema de posicionamento global).

Apesar disso, a compreensão dos fundamentos da teoria física quântica ainda não é inteiramente satisfatória. E alguns dos comportamentos que ela descreve são tão destoantes do chamado “senso comum”, baseado nas vivências empíricas do dia a dia, que surpreendem não apenas os leigos, mas até mesmo os físicos e filósofos da ciência. Alguns aspectos contraintuitivos da teoria quântica devem-se ao seu caráter probabilístico. Sendo um conjunto de regras para calcular as probabilidades dos possíveis resultados de medições realizadas sobre sistemas físicos, a teoria quântica, em geral, não é capaz de prever, no nível de uma única medição, qual resultado será obtido.

Uma das ideias desafiadoras posta em pauta pela física quântica é a da “não localidade”. Essa característica da realidade se manifesta quando dois ou mais sistemas são gerados ou interagem de tal maneira que os estados quânticos de uns não podem ser descritos independentemente dos estados quânticos dos outros. No jargão científico, diz-se que os sistemas ficam “emaranhados”, isto é, correlacionados fortemente (caso em que o estado quântico do todo não é dado por estados quânticos definidos de seus constituintes), a despeito da distância entre eles. Outra ideia desafiadora, que parece vir no sentido contrário, é a da “contextualidade”. Trata-se da hipótese de que os resultados de uma medição realizada sobre um objeto quântico dependem do contexto em que ela é feita – vale dizer, de outras medições compatíveis, realizadas conjuntamente com a primeira.

Nascidas com a teoria quântica, não localidade e contextualidade seguiram caminhos independentes por várias décadas. Um estudo realizado com um caso particular em 2014 chegou a demonstrar, inclusive, que apenas um dos dois fenômenos poderia se manifestar em um sistema quântico. Esse resultado ficou conhecido como “monogamia”. E seus autores conjecturaram que não localidade e contextualidade poderiam ser diferentes faces de um mesmo comportamento geral, que só se manifestaria de uma ou outra maneira.

No entanto, um novo estudo, conduzido por pesquisadores brasileiros e chineses, demonstrou, tanto teórica quanto experimentalmente, que isso não é verdade. A pesquisa, coordenada por Rafael Rabelo, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (IFGW-Unicamp), teve a participação de Gabriel Ruffolo e André Mazzari, também do IFGW-Unicamp; de Marcelo Terra Cunha, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc-Unicamp); de Tassius Temístocles, do Instituto Federal de Alagoas, e de Peng Xue e Lei Xiao, do Beijing Computational Science Research Center, na China. Artigo a respeito foi destaque na revista Physical Review Letters.

“Provamos que é, sim, possível observar concomitantemente ambos os fenômenos em sistemas quânticos. E a abordagem teórica, desenvolvida aqui, no Brasil, foi comprovada por um experimento de óptica quântica realizado por nossos colaboradores chineses”, diz Rabelo à Agência FAPESP.

Do ponto de vista fundamental, o novo trabalho demonstra, de forma definitiva, que dois dos aspectos fundamentais em que a física quântica mais difere da física clássica podem ser observados ao mesmo tempo no mesmo sistema, contrariamente ao que se acreditava. “Assim, fica evidente que não localidade e contextualidade não são manifestações complementares de um mesmo fenômeno”, comenta Rabelo.

Já do ponto de vista prático, a não localidade é um importante recurso para criptografia quântica; e a contextualidade é a base para um modelo específico de computação quântica; entre outras aplicações. “A possibilidade de se ter ambas, ao mesmo tempo, em um mesmo sistema, pode abrir caminhos para o desenvolvimento de novos protocolos de processamento quântico de informação e de comunicação quântica”, conjectura o pesquisador.

Um pouco de história da ciência

A ideia de não localidade foi uma espécie de resposta à objeção feita por Albert Einstein (1879-1955) ao caráter probabilístico da física quântica. Em um artigo seminal, publicado em 1935, Einstein, Boris Podolsky (1896-1966) e Nathan Rosen (1909-1995) questionaram a completude da teoria quântica. E, para isso, conceberam um experimento mental que ficou conhecido como “Paradoxo EPR” (sendo essas letras as iniciais dos sobrenomes dos três cientistas). A crítica de EPR sugeria que para justificar certas correlações não clássicas, advindas do emaranhamento, seria necessário que sistemas quânticos distantes trocassem informação de forma instantânea – o que contraria a teoria especial da relatividade. E que esse tipo de paradoxo decorreria do caráter incompleto da teoria quântica, que poderia ser corrigida com a incorporação de variáveis ocultas locais. Estas devolveriam à física quântica o caráter supostamente determinista da física clássica.

“Em 1964, John Stewart Bell (1928-1990) revisitou o trabalhou de Einstein, Podolski e Rosen e introduziu um formalismo elegante que englobava todas as teorias de variáveis ocultas locais, independentemente de propriedades particulares que cada uma poderia ter. Bell provou que nenhuma dessas teorias poderia reproduzir as correlações entre as medições realizadas em dois sistemas previstas pela física quântica. Esse resultado, que ficou conhecido como Teorema de Bell, é, na minha opinião, um dos mais importantes pilares da física quântica. A propriedade de tais correlações fortes, que não podem ser reproduzidas por nenhuma teoria local, é hoje conhecida como não localidade de Bell. Em 2022, John Clauser, Alain Aspect e Anton Zeilinger foram contemplados com o Prêmio Nobel de Física pela observação experimental da não localidade de Bell, dentre outras realizações”, informa Rabelo.

Outro importante resultado decorrente da discussão a respeito de variáveis ocultas foi apresentado em um artigo de Simon Kochen e Ernst Specker (1920-2011), publicado em 1967. Os autores demonstram que, devido à estrutura e às propriedades matemáticas das medições quânticas, qualquer teoria de variáveis ocultas que reproduza as predições da física quântica deve necessariamente exibir um aspecto de contextualidade.

“Apesar da motivação comum, o estudo da não localidade de Bell e da contextualidade de Kochen-Specker seguiu por caminhos independentes por bastante tempo. Apenas recentemente cresceu o interesse por saber se ambos os fenômenos poderiam se manifestar concomitantemente no mesmo sistema físico. Em um artigo publicado em 2014, Pawel Kurzynski, Adán Cabello e Dagomir Kaszlikowski disseram que não. Isso foi demonstrado a partir de um caso particular, mas de bastante interesse. Foi esse ‘não’ que conseguimos refutar agora com nosso estudo”, afirma Rabelo.

O estudo recebeu apoio da FAPESP por meio de Auxílio a Jovens Pesquisadores concedido a Rabelo; de Bolsa de Doutorado concedida a Ruffolo; e de Bolsa de Mestrado concedida a Mazzari.

O artigo Synchronous Observation of Bell Nonlocality and State-Dependent Contextuality, publicado em Physical Review Letters com o destaque de ser uma “sugestão do editor”, pode ser acessado em: https://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.130.040201. Também está acessível gratuitamente na plataforma Arxiv.

Como o ChatGPT pode impactar no aprendizado escolar

*Écia Sales

Com os avanços da Inteligência Artificial, os chatbots, que usualmente são utilizados por empresas para interagirem com seus clientes nos setores de SAC (Serviço de Atendimento ao Cliente), marketing, vendas e outras demandas que apresentam grandes volumes de interações, foi disponibilizado recentemente para o grande público e já preocupou diversas áreas, principalmente no ambiente escolar, como profissionais que atuam em atividades correlatas à comunicação e ensino, do básico ao superior. Isso leva ao questionamento do modelo atual de sala de aula e como é possível criar novos tipos de atividades escolares que estimulem o pensamento crítico dos alunos que têm acesso vasto às informações no campo virtual quando não estão no ambiente escolar.

De um lado, jovens e adultos ficaram encantados ao tomarem conhecimento do ChatGPT, uma ferramenta virtual, que produzirá textos inéditos a partir de perguntas elaboradas pelos usuários e responderá de maneira automatizada para diversas finalidades. A promessa é eliminar o trabalho da pesquisa de campo, que engloba a consulta da literatura para o objeto que será estudado, a estruturação do projeto, organização das ideias e a produção da escrita.

Na área da educação, os professores têm se preocupado e debatido o potencial e  uso da ferramenta, sobretudo como identificar se os estudantes vão utilizar o ChatGPT, pois a ferramenta é capaz de coletar dados e produzir trabalhos escolares, sintetizando informações que até bem pouco tempo levariam muitas horas para serem compiladas e escritas.

Se por um lado o ChatGPT consegue melhorar a experiência na busca por informações, também pode proporcionar um aprendizado personalizado e adaptativo às novas tecnologias.

Já por outro lado, a ferramenta pode gerar dependência e, com isso, não haverá o desenvolvimento das habilidades da escrita por conta própria. Isso, a curto prazo, pode causar uma falta de confiança na própria capacidade e um desinteresse em desenvolver a habilidade no futuro. A médio prazo, talvez afete o desempenho dos estudantes nos disputados vestibulares e, por consequência e mais a longo prazo, na inserção futura do mercado de trabalho.

A tecnologia está cada vez mais presente no ambiente escolar, portanto, o ChatGPT deve ser experimentado em sala de aula, trazendo os prós e contras aos alunos,  extraindo o melhor que a ferramenta tem a oferecer e, em contrapartida, fazendo os apontamentos necessários sobre os aspectos negativos. Esse é um caminho para a evolução do pensamento crítico, que manterá os alunos estimulados e comprometidos em sala de aula.

*Écia Sales é Coordenadora Acadêmica da Escola Luminova, rede de escolas do grupo SEB – Sistema Educacional Brasileiro.

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Tragédia em shopping de São Luís evidencia os riscos da falta de regulamentação no liberalismo

Na última terça-feira (7), um incêndio de grandes proporções ocorreu no Shopping Rio Anil, em São Luís, deixando duas pessoas mortas e pelo menos 13 feridas. Além do trauma e das perdas humanas, o incidente trouxe à tona uma discussão importante sobre a falta de regulamentação no liberalismo e seus riscos para a segurança e o bem-estar da população.

Segundo relatos de clientes que estavam no local no momento do incêndio, a situação foi caótica e desesperadora. O alarme anti-incêndio só teria tocado depois que as chamas já haviam tomado conta do prédio, não havia funcionários para orientar os clientes e o esquema de proteção contra incêndio do cinema não teria funcionado. Além disso, uma atitude insensível chamou a atenção: mesmo durante o incêndio, o shopping teria cobrado R$ 9,00 pelo estacionamento para que os clientes saíssem do local.

Diante desses fatos, é natural questionar: como uma empresa pode colocar o lucro acima da segurança e do bem-estar das pessoas? Como é possível que não existam regulamentações e fiscalizações adequadas para evitar esse tipo de negligência?

O liberalismo, corrente política e econômica que defende a liberdade individual e a livre iniciativa, tem sido criticado por esse tipo de problema. Em teoria, a ideia é que a concorrência no mercado e a busca pelo lucro levem as empresas a oferecerem produtos e serviços de qualidade a preços acessíveis, atendendo às necessidades e demandas dos consumidores. No entanto, sem as devidas regulamentações e fiscalizações, essa busca pelo lucro pode levar as empresas a cortarem custos em áreas fundamentais, como a segurança, colocando em risco a vida e a integridade física das pessoas.

Em entrevista à BBC News Brasil, o especialista em segurança pública Guaracy Mingardi ressaltou que a falta de fiscalização é um problema grave no Brasil, que pode ser agravado no contexto do liberalismo. “O liberalismo, em tese, é uma busca pelo bem-estar coletivo, mas é preciso ter um sistema que controle isso. Sem isso, a lógica de mercado acaba sendo a da lucratividade”, afirmou.

Nesse sentido, é importante lembrar que a liberdade individual não deve ser absoluta e que o Estado tem o papel de garantir a segurança e o bem-estar da população. Para isso, é necessário que existam regulamentações e fiscalizações adequadas para evitar que empresas priorizem o lucro em detrimento da segurança e da vida das pessoas.

O caso do Shopping Rio Anil é um exemplo trágico de como a falta de regulamentação e fiscalização pode ter consequências graves para a população. É preciso que as autoridades e a sociedade civil estejam atentas a esse problema e trabalhem juntas para buscar soluções que equilibrem a liberdade individual e a segurança coletiva. Afinal, não se trata de escolher entre um ou outro, mas de garantir que ambos sejam respeitados e protegidos.

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Cientistas mapeiam ponto em que ecossistemas serão afetados de forma irreversível por mudanças climáticas

Ecossistemas importantes à vida na Terra, como as camadas de gelo, recifes de corais ou a floresta amazônica podem atingir pontos de ruptura nas próximas décadas, com alterações irreversíveis e catastróficas caso as mudanças climáticas não sejam atenuadas nos próximos anos. É o que observam doze pesquisadores do Brasil, Canadá, China, Estados Unidos e Reino Unido que mapearam as evidências científicas atuais acerca de pontos de não retorno para dez elementos, descrevendo mecanismos, riscos humanos e ecossistêmicos. Ao atingir o ponto de ruptura, tais elementos passam por mudanças drásticas em relação ao seu estado original, que podem iniciar um efeito cascata sobre outros sistemas terrestres, como aponta o estudo publicado na revista internacional “Reviews of Geophysics”.

O artigo de revisão considerou dez elementos com risco de ruptura, incluindo mudanças em correntes oceânicas, liberação de metano do assoalho marinho, perda de grandes camadas de gelo, liberação de carbono de camadas congeladas do solo, mudanças na floresta boreal, alterações em ventos de monções, dispersão de nuvens estrato cumulus, perda do gelo do Ártico no verão, transformações na floresta amazônica e o branqueamento de corais de águas rasas. Tais aspectos permitem prever riscos atuais e futuros, direcionando as ações da sociedade para o combate às alterações climáticas.

“Sobre a perda do recife de coral das águas rasas tropicais, por exemplo, temos nível de entendimento científico muito alto, com uma condição muito boa de prevê-los. Este limiar mostra que se a temperatura aumentar mais que 1.5ºC, os impactos serão dramáticos e severos em uma escala de décadas”, exemplifica Liana Anderson, coautora e pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

A Amazônia também enfrentará mudanças severas em décadas caso não haja mitigação das mudanças climáticas. Ameaçada pelo estresse climático e pela ação humana, secas extremas, desmatamento, corte seletivo e queimadas levariam à falta da umidade necessária para sua manutenção, em um ciclo de menos chuvas e maior mortalidade de espécies. “A floresta teria esse ponto de não retorno, em que fica pequena o suficiente para não conseguir sustentar sua umidade e vai se transformando em outro tipo de floresta, tendo uma degradação climática, porque não consegue se manter, e não haveria uma forma de voltar ao estado original, ao menos na escala de séculos”, afirma Liana.

Por sua vez, a degradação da floresta amazônica influencia os padrões climáticos ao redor do mundo, mas Liana Anderson acrescenta que ainda há um baixo conhecimento científico sobre o efeito cascata provocado pelas conexões entre estes processos. Porém, sabe-se que seus impactos podem ser duradouros, perdurando por séculos ou milênios, e que ainda é possível minimizar o risco da ruptura, como através de atitudes e políticas públicas para reduzir tanto a pressão por degradação que impactam localmente e na escala regional a floresta quanto as emissões de combustíveis fósseis, que atuam em extremos climáticos e colocam ainda mais pressão nesse ecossistema.

“Essas mudanças podem passar de um determinado limiar em que não vão voltar, e isso vai impactar de modos sem precedentes talvez a nossa geração, mas seguramente  a de nossos filhos e netos. Então é uma responsabilidade muito grande que a gente precisa incorporar como sociedade e como prática diária, de repensar nossas ações, nossas decisões, e isso inclui em quem vamos votar, porque são os representantes políticos em última instância que realmente movimentam e direcionam em grande escala as decisões nacionais”, conclui a especialista.

DOI: https://doi.org/10.1029/2021RG000757

Organizações denunciam à ONU violações de direitos dos povos originários no Brasil, agravadas nos últimos quatro anos

A 52º sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU de será realizada de 27/02 a 4/04 de 2023; a participação das organizações e lideranças indígenas se dará de forma presencial e por videoconferência

Na primeira sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2023, lideranças indígenas e organizações indígenas e indigenistas, entre elas o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), denunciam as graves violações de direitos dos povos originários no Brasil, agravadas nos últimos quatro anos, fruto da política anti-indígena adotada pelo governo federal.

O 52º período ordinário de sessões do Conselho de Direitos

Humanos (CDH 52) inicia na próxima segunda-feira, 27 de fevereiro,

e segue até o dia 3 de abril deste ano, em Genebra, Suíça. Durante o evento

serão realizados 27 diálogos interativos com titulares de mandatos de

Procedimentos Especiais e mecanismos de investigação, nove diálogos interativos

com o Alto Comissário, três diálogos interativos aprimorados e um diálogo de

alto nível.

A Revisão Periódica Universal (RPU) de 14 Estados também será apresentada, sendo eles Bahrein, Equador, Tunísia, Marrocos, Indonésia, Finlândia, Reino Unido, Índia, Argélia, Filipinas, Brasil, Polônia, Holanda e África do Sul. A Revisão Periódica

monitora o cumprimento das obrigações e compromissos de Direitos Humanos

assumidos pelos Estados-membros da ONU, buscando melhorar a situação dos

Direitos Humanos em todo o mundo. O Cimi compõe a coalizão de organizações da

sociedade civil brasileira que acompanhavam o tema da política externa

brasileira e formam o Coletivo RPU Brasil.

A incidência indígena, feita por organizações indígenas e indigenistas, se dará nos espaços destinados aos “Debates Gerais”, que, como o nome já diz, são voltados à discussão de temas abrangentes destinados aos temas: Promoção e Proteção de todos os Direitos Humanos, Direitos Civis, Políticos, Econômicos, Sociais e Culturais incluindo o direito ao desenvolvimento; Sobre a situação de Direitos Humanos que requerem a atenção do Conselho; e Declaração e Programa de Ação de Viena. 

Já os “Diálogos Interativos” são direcionados ao tema da relatoria, e contam com a presença dos respectivos relatores do órgão para aquele assunto. As incidências neste formato serão realizadas nos seguintes temas: Direitos Humanos relacionadas ao gozo de um ambiente seguro, limpo e saudável e ambiente sustentável; Liberdade Religiosa ou Crença; Situação de Defensor dos Direitos Humanos; e Violência Contra Crianças. Ao todo, estão previstas pelo menos dez incidências nesta sessão do CDH da ONU.

Agende-se

27/02: Inicia a 52º sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH 52);

28/02: Painel de Alto Nível sobre o Direito ao Desenvolvimento, com a participação do Cimi em parceria com a REPAM-Brasil;

10/03: Diálogo interativo com o Relator Especial sobre Liberdade Religiosa ou Crença, com a contribuição do povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul;

15/03: Diálogo interativo com o Representante Especial do Secretário-Geral sobre Violência Contra Crianças, as denúncias serão realizadas por lideranças indígenas do povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul;

17/03: Debate geral sobre a promoção e proteção de todos os direitos humanos, direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao desenvolvimento. No evento, as denúncias e contribuições serão realizadas pelo Cimi;  

22/03: Debate geral sobre situações de direitos humanos que requerem a atenção do Conselho. No evento, a incidência será realizada pelo Cimi com um balanço desses últimos anos e expectativa do novo ambiente político para enfrentar esses desafios;

24/03: Apresentação do resultado da Revisão Periódica Universal (RPU) no Brasil. Neste espaço, a contribuição do Cimi será realizada em conjunto com Coletivo RPU Brasil, que é formado por 30 organizações da sociedade civil brasileira que acompanhavam o tema da política externa brasileira;

29/03: Debate geral que busca acompanhar e implementar a Declaração e Programa de Ação de Viena, com a participação da Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (EAPIL), do Cimi.

Outras incidências ou pronunciamentos das organizações indígenas e indigenistas, bem como das lideranças e seus respectivos povos, que irão contribuir com o Conselho em sua 52º sessão, serão informadas previamente pelos canais oficiais do Cimi.

Indígenas Kaiowá e Guarani retomam parte do território Laranjeira Nhanderu e sofrem ameaça de despejo

Os indígenas temem um novo massacre, como o ocorrido no tekoha Guapoy em 2022, também no Mato Grosso do Sul; policiais militares ameaçam despejar comunidade sem mandado judicial

Na busca pode dar fim a décadas de violações, na madrugada desta sexta-feira (3), famílias Kaiowá e Guarani, incluindo crianças e anciões, do território Laranjeira Nhanderu, localizado no município de Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul, retomaram novamente uma parte de seu território ancestral, sobreposta por uma fazenda denominada “Inho”.

O objetivo da retomada, segundo a liderança Guyra Arandú é “acabar com as muitas décadas de dureza, fome, violência, racismo, veneno, intoxicação, confinamento, ameaças e trapaças dos fazendeiros, para poder garantir o que está na Lei maior de 88 [Constituição Federal de 1988], mas que o Brasil não cumpre. Só assim as famílias do tekoha [lugar onde se é], nossos velhinhos, nossas crianças vão encontrar dignidade e vão poder viver em paz’’.

Lideranças da comunidade relatam que, pela manhã, policiais militares chegaram ao local e ameaçam despejar os indígenas – mesmo sem ordem judicial. Na avaliação do assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grasso do Sul, Anderson Santos, além de ilegal, esta ação tem potencial de causar uma grave situação de violência contra os indígenas.

“Os indígenas levantaram barracos de lona e se estabeleceram no local. Ocorre que a Polícia Militar já está no local ameaçando despejá-los sem ordem judicial. No último episódio que isso ocorreu, o indígena Vitor Fernandes foi assassinado e dezenas de pessoas foram feridas na retomada Guapoy, em Amambai, em junho de 2022”, avalia o assessor.

“A comunidade pede apoio da sociedade e das entidades de defesa dos direitos humanos”, relata o advogado.

Devido as tensões históricas, os Kaiowá e Guarani temem um novo massacre, como o do tekoha Guapoy, caso haja ações ilegais de fazendeiros e policiais. O “Massacre de Guapoy”, ocorrido em junho de 2022, ficou marcada pela violenta ação da Policia Militar (PM) do estado de Mato Grosso do Sul, que assassinou o indígena Vitor Fernandes e deixou dezenas de feridos.

“Recentemente, houve uma série de outros ataques igualmente protagonizados pela PM e fazendeiros da região de Naviraí (MS), que ficaram ofuscados e subnoticiados”, relata o coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul, Matias Benno Rempel.

A Aty Guasu – Grande Assembleia dos Guarani e Kaiowá – bem como as lideranças de Laranjeira Nhanderu denunciam há anos que os moradores da fazenda “Inho” proibiram os indígenas de plantar e tem praticado uma série de violações contra a comunidade, sobretudo despejando agrotóxico por avião sobre as roças e sobre o acampamento dos Kaiowá.

“Enquanto perdura a inércia e a negligencia da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] e do Estado, que há décadas se furtam em finalizar o estudo demarcatório e garantir o pleno acesso dos indígenas a seu território já identificado, mais de 50 famílias vivem em situação desumana, sofrendo todo tipo de violações de Direitos Humanos, estando provados das questões mais básicas”, contextualiza Matias Benno Rempel, coordenador do Cimi Regional Mato Grasso do Sul.

“Retomar seu território ancestral, para os Kaiowá e Guarani, além de retomar sua cultura e tradições, é retomar a vida, poder plantar e assim combater a fome que em muitos momentos assola a aldeia”, avalia o coordenador.

Décadas de negligencia e de violência

O território de ocupação tradicional de Laranjeira Nhanderu aguarda há décadas a conclusão dos estudos demarcatórios. Ainda em 2007, foi incluído no Termo de Ajustamento e Conduta (TAC) firmado entre Ministério Público Federal (MPF) e Funai, que teve por objetivo elaborar e executar um plano de estudos para a demarcação de terras indígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

Laranjeira Nhanderu está incluído nos estudos da Terra Indígena (TI) Brilhantepegua, ainda em processo de identificação e delimitação – que deveria, segundo o TAC, ter tido sua demarcação concluída no máximo até 2009.

Mesmo com o processo de demarcação em curso, e com “substancial material de comprovação da tradicionalidade do território, os indígenas foram forçados a viver por mais de 15 anos numa pequena faixa de mato nos fundos da fazenda Santo Antônio, lindeira à fazenda Inho, onde ocorreu novamente a retomada realizada nesta madrugada”, explica Matias.

“As famílias do tekoha amargaram em 2009 um doloroso despejo, onde anciões e crianças foram forçados a viver às margens de rodovias, entre a cerca e o asfalto, marcados por inúmeras situações de risco, medo e miséria”, prossegue o missionário.

Sem solução para as constantes violações, em 2011 os indígenas se estabeleceram, novamente, dentro de parte de seu território, “um dos últimos pedaços de mata nativa ainda não destruída pelo agronegócio na região”, contam os Kaiowá e Guarani. Desde então, esperaram pacientemente a finalização do moroso processo de demarcação, o que nunca ocorreu, completam os indígenas.

A falta de condições básicas de vida, com os indígenas impossibilitados de plantar e acessar alimentos no local, motivou, em 2018, algumas famílias de Laranjeira Nhanderu a realizarem a retomada de uma outra área – que também compõe seu território de ocupação tradicional dos Kaiowá e Guarani. O espaço, batizado como “Laranjeira 02”, abriga uma grande casa de reza e etno-quintais com rica diversidade alimentar, que oferecem dignidade e segurança alimentar, especialmente para as crianças e anciões, que formam a maioria do grupo.

No entanto, o coordenador do Cimi no Mato Grosso do Sul destaca que “muitos indígenas de Laranjeira, que ocupam ainda o primeiro acampamento, se encontram proibidos de plantar por parte dos fazendeiros locais. Quando tentam, são ameaçados”.

Por inúmeras vezes, fazendeiros despejaram agrotóxico sobre as casas e roças das famílias causando severos danos ambientais – morte de peixes e envenenamento de rios – e causando danos à saúde dos indígenas. O proprietário da fazenda “Inho” chegou a ser processado pelo MPF, quando flagrado em uma destas ações.

Até hoje, os indígenas vivem nessas pequenas partes de seu território tradicional, aguardando pela conclusão do processo demarcatório que já se estende por quase duas décadas.

Manobras de fazendeiros e políticos impulsionaram retomadas anteriores  

Esta não é a primeira vez que as famílias de Laranjeira Nhanderu tentam retomar a parte de seu território onde está localizada a fazenda “Inho”. Há pouco mais de um ano, em 26 de fevereiro de 2022, famílias Kaiowá e Guarani ocuparam as imediações da sede, mobilizadas, entre outras questões, contra uma espécie de golpe que estava em curso e que prejudicaria o processo de demarcação.  

Como destacado pelas lideranças à época, a retomada foi uma resposta à iniciativa de políticos, fazendeiros e agentes de sindicatos patronais locais que pretendiam estabelecer um assentamento rural dentro da área reivindicada e em processo de identificação como terra indígena.

Publicações em redes sociais e matérias jornalísticas indicaram a articulação de políticos, como a deputada estadual Mara Caseiro e o vereador Adão Evandro Leite, junto com a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul (Agraer), o governo do estado e a União, sob o então governo de Jair Bolsonaro, para a liberação de crédito fundiário para novos assentamentos no município.

Os indígenas denunciaram, inicialmente, que um senhor de nome “Ramão”, pai do vereador Adão Evandro Leite, de Rio Brilhante, foi pessoalmente até as duas aldeias buscando anuência das lideranças indígenas para a constituição do assentamento que seria loteado na área da fazenda “Inho”.

Os relatos indicam que as lideranças foram instruídas a afirmar que a área não estaria dentro estudo da Funai. Este assédio fez com que Kaiowá denunciassem imediatamente a situação ao MPF, à Funai e a apoiadores.

Após as denúncias, as famílias indígenas tomaram conhecimento de que as famílias sem-terra – não pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – estavam se mobilizando para ocupar a fazenda “Inho”, com a finalidade de pressionar e adiantar o trâmite. Diante da iminência de uma invasão e dos inúmeros danos que isso ocasionaria, os Kaiowá decidiram ocupar a sede antes.

Indígenas clamam por socorro

Temendo por suas vidas na nova retomada, indígenas clamam por socorro, pois o histórico de ações ilegais da polícia e seguranças particulares, faz com que indígenas temam retaliações, ataques e possíveis mortes.  

Os Kaiowá têm memória bastante viva de quando, na primeira tentativa de retomada da parte do território tradicional onde se encontra a fazenda “Inho”, sofreram uma ação ilegal e truculenta do batalhão de choque da PM, que despejou de forma violenta os indígenas. A ação policial deixou pelo menos três indígenas feridos com balas de borracha e foi realizada sem mandado judicial.

O despejo foi realizado sem respaldo legal, repetindo outras ações extrajudiciais já ocorridas no estado, como havia se dado com o despejo contra o povo Kinikinau, em 2019.

“A exemplo do que aconteceu também com os Kinikinau, não foi de fato um cumprimento de uma ordem de reintegração de posse. Foi o Estado tomando partido a favor de um particular, no caso o proprietário rural, e em desfavor da comunidade indígena, que tem uma pauta legítima, reivindicando a demarcação de um território”, explicou o assessor jurídico do Cimi, Anderson Santos, à época.

Após a truculenta ação policial, os indígenas recuaram até as áreas anteriormente ocupadas pela comunidade, na propriedade vizinha à fazenda “Inho”, para evitar mortes de membros de seu povo.

Meses depois da ação ilegal da polícia contra Laranjeira Nhanderu, o uso de forças de segurança pública para fins privados iria se demonstrar como uma ação intencional e um novo ‘modus operandi’ das ações do estado do Mato Grosso do Sul em favor do ruralismo, recorda Matias. 

Em duas ações, que se desenvolveram simultaneamente, a PM atacou sem nenhum respaldo legal dois territórios indígenas. No caso mais grave, que ficou conhecido como Massacre de Guapoy, um significativo contingente da PM abriu fogo, dentro da Reserva Indígena de Amambai, contra a comunidade e até mesmo contra crianças Kaiowá, assassinando um indígena e deixando dezenas de feridos.

Os indígenas seguem afirmando que não abrem mão do território de Laranjeira Nhanderu, por cuja demarcação aguardam há quase duas décadas, e que estão decididos a morrer pelo seu território se for preciso.

“O Cimi, em consonância com as preocupações e o medo dos Kaiowá e Guarani, baseando-se também nos eventos recentes e desastrosos envolvendo as forças de segurança e seus ataques ilegais, alerta as autoridades para o risco de violência, e até mesmo para um possível novo massacre contra estas famílias já há muito violadas e feridas profundamente em sua dignidade humana”, afirma o coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul.

Políticas de apoio ao pequeno produtor são essenciais para erradicar a fome no Brasil, analisam pesquisadores

Superar a insegurança alimentar exige não apenas retomar políticas públicas do passado, mas revisá-las diante do atual cenário do país, adaptando-as para responder aos desafios atuais. Outro ponto se refere a necessidade de enfrentar as necessárias mudanças estruturais como a realização da reforma agrária. A análise, publicada na revista “Cadernos de Saúde Pública”, é de pesquisadores da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), ligados a diversas universidades brasileiras.

O texto analisa a evolução da insegurança alimentar a partir de dados publicados pelos Inquéritos da Rede Penssan (I e II VIGISAN), lançados em 2020 e 2022, e a partir de estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, comparáveis por utilizarem a mesma metodologia. De 2013 a 2022, a taxa de brasileiros nesta situação mais que dobrou. Estima-se que, atualmente, 33,1 milhões de brasileiros passam fome, ou seja, estão em situação de insegurança alimentar grave. De 2020 a 2021, houve um aumento de 72% na taxa de insegurança alimentar, que vai da insegurança alimentar leve, ou seja, a preocupação dos chefes da família de não conseguir obter alimentos até a insegurança alimentar grave, quando há ausência de alimentos no domicílio.

Os autores apontam que, para erradicar a fome, é preciso investir em políticas públicas de apoio a agricultura familiar, além de promover a reforma agrária, fortalecer as práticas agroecológicas e restringir o uso de agrotóxicos. De acordo com o último Censo Agropecuário do IBGE, a agricultura familiar é responsável por produzir 70% dos alimentos consumidos pela população brasileira. “O Brasil é outro, não é o mesmo de 2013, quando saiu do chamado mapa da fome da FAO”, explica Veruska Prado, pesquisadora na Universidade Federal do Goiás (UFG) e da Rede PENSSAN e uma das autoras do artigo. “Antes de alimentar o mundo, temos que alimentar bem os nossos”, pontua.

O artigo chama atenção para a velocidade com que os números de insegurança alimentar subiram ao longo dos anos, o que, segundo Prado, pode ser explicado pela sobreposição da negligência da última gestão do governo federal diante o direito humano a alimentação e a pandemia da Covid-19, com as crises política e econômica intensificadas no país a partir de 2016.

Desde 2016, políticas públicas de promoção à SAN foram enfraquecidas ou eliminadas, por meio de perda de orçamento. Um dos exemplos citados é o fechamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) em 2019. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), uma das únicas políticas de SAN que se mantiveram, não é reajustado desde 2017, levando a perda da qualidade da alimentação escolar dado o aumento dos custos dos alimentos. O valor repassado pelos programas de transferência de renda durante a pandemia desde julho de 2020 também foi insuficiente para evitar que a insegurança alimentar se agravasse no país, avaliam os cientistas.