A pandemia, a elevação da pobreza e a inflação expõem ao mundo a necessidade de ampliar a proteção social, um desafio que geralmente esbarra no risco de desequilíbrio fiscal. Vários países adotam políticas de tributação progressiva, na qual os ricos pagam mais impostos do que os pobres. Para os economistas Manoel Pires e Marcelo Medeiros, este é o caminho para o Brasil combater a pobreza e promover o crescimento econômico, sem aumentar o déficit público e o imposto sobre consumo, que penaliza os mais pobres e afugenta investimentos na produção.
Manoel Pires, que é coordenador do Observatório de Política Fiscal e pesquisador da Universidade de Brasília (UNB), considera que o Governo comete um erro ao trocar o Bolsa Família, “um programa permanente que funciona bem”, pelo Auxílio Brasil. Pelo caráter temporário, segundo ele, o novo programa pode causar insegurança social no fim do próximo ano. “Em dezembro de 2022, se tudo correr como o governo está planejando, você tem um encontro com isso novamente, com esse dilema. Os beneficiários podem achar que não terão mais direito ao benefício. Isso vai causar uma insegurança social”, afirma Pires.
Os dois economistas participaram da mesa-redonda “Como Financiar a Proteção Social no Brasil”, promovido pelo Observatório de Política Fiscal (Ibre-FGV) e pela Avenida Comunicação, com presença de jornalistas dos maiores veículos do país.
Marcelo Medeiros, professor visitante na Columbia University, professor da UNB e pesquisador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), entende que a pandemia agudizou as desigualdades e mostrou a fragilidade do modelo brasileiro para lidar com seus efeitos. O modelo atual depende da arrecadação, que cai em momentos de crise, deixando mais frágeis os programas de apoio quando eles mais precisam de recursos.
Para solucionar o problema, Medeiros propõe a criação de um fundo específico para momentos em que há risco de crise social, à semelhança do Fundo Soberano do Brasil, que funcionou entre 2008 e 2019 para enfrentar os efeitos de crises econômicas. Esse novo fundo para destinação em crises sociais seria um instrumento contracíclico para proteger a população e estimular a retomada econômica. Além disso, evitaria que os governos tenham despesas imprevistas sem cobertura fiscal, impedindo que furem o teto de gastos.


Outra crítica de Medeiros ao atual modelo brasileiro é sua concentração excessiva nas contribuições trabalhistas, o que limita sua proteção efetiva ao trabalhador formalizado e onera as folhas de pagamento. Ao induzir empresas e trabalhadores a se dedicarem a manobras em busca de menor tributação, o modelo atual fragiliza ainda mais o sistema de proteção social. Como solução, o economista propõe que esse sistema seja financiado pela progressividade no Imposto de Renda, aliviando as folhas de pagamento e os custos das empresas com os empregos, o que aumenta a formalização e diminui a “pejotização”.
Para Medeiros, o crescimento da informalidade do trabalho no Brasil já superou a “uberização”, em que há precariedade na relação trabalhista. “Estamos vivendo algo pior. A meu ver já passamos para uma fase de ‘faxineirização’, quando as famílias trocam domésticas por faxineiras, que não estão protegidas pelas leis. E isso denota uma injustiça ainda maior que é a enorme desigualdade de gênero, com a informalidade entre as mulheres sendo muito mais alta”, disse o professor.
Pires concorda com Medeiros sobre a necessidade da tributação progressiva, principalmente por meio do Imposto de Renda, de forma a transferir recursos dos extratos mais ricos para a redução da desigualdade. Ele afirma que o sistema tributário brasileiro é regressivo por incidir mais sobre o consumo do que sobre a renda. Imposto sobre o consumo afeta mais, em termos proporcionais, os pobres.
Segundo Pires, há espaço para o país eliminar “distorções” e tributar mais a renda, criando mecanismos para financiar a assistência social. “Uma boa forma de fazer a discussão do financiamento da seguridade social é eliminar distorções, consolidando uma boa parte da tributação na tabela do Imposto de Renda”, disse. Ele ilustra seus argumentos com tabelas que mostram a situação do Brasil em relação a outros países, conforme dados compilados da OCDE e da Receita Federal. A tributação sobre o consumo no Brasil chega a 14,4% do PIB, enquanto a média mundial é de 11%. Já o imposto de renda no Brasil arrecada o equivalente a 7,45% do PIB, bem abaixo da média mundial, de 11,5%.
Pires admite que a agenda de reformas que ele e Medeiros propõem é difícil de ser implementada no Brasil devido à pressão de lobbies e à desinformação da população sobre o tema. “Uma agenda de reformas é sempre difícil, mas mesmo assim o país fez avanços recentes em reformas trabalhistas e da Previdência. É sempre conflituoso, mas avança. É preciso fazer um esforço para construir essa agenda no Brasil, que já acontece em economias mais sólidas, como nos Estados Unidos e na Europa”, enfatizou o economista.
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