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Por Luiz Aragão

Em um planeta com quase oito bilhões de pessoas, o paradoxo entre desmatar florestas e conservar o ambiente deve ser equacionado. Não é novidade que as mudanças climáticas — causadas por um modelo de desenvolvimento que depende exclusivamente do capital econômico — põem em risco a segurança alimentar, hídrica e energética.

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O Brasil deve demonstrar ao mundo como equilibrar os capitais econômicos, sociais e ambientais validando o modelo de desenvolvimento sustentável adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização para o Comércio e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Temos capacidade para isso: o país já se destacou, no início do século 21, ao propor planos e ações para a sustentabilidade.

Entre 1996 e 2005, 19.500 km2 de floresta foram desmatados por ano. A solução teve foco no desmatamento, que contribui, atualmente, com mais de 40% das emissões de gases de efeito estufa (GEE): foram criados o Plano para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (2004) e o Plano Nacional sobre Mudanças do Clima (2009).

Em 2015, ao assinar o Acordo de Paris, o Brasil se voluntariou a reduzir 43% (em relação a 2005) das emissões de GEE até 2030. Esse conjunto de ações se mostrou efetivo. Entre 2004 e 2012, o desmatamento foi reduzido em mais de 75%, quando atingimos 4.500km2  em áreas desmatadas por ano. Os esforços garantiram a doação voluntária de 1,3 bilhões de dólares, que compuseram o Fundo Amazônia.

Hoje, no entanto, os dados mostram um cenário preocupante. O desmatamento acelera na Amazônia, com taxas superiores a 10.000 km2/ano desde 2019, os maiores números registrados desde 2008. Cada área aberta causa a formação de bordas florestais permanentes, matando árvores. O chamado “efeito de borda” aumenta em até 37% as emissões de carbono por desmatamento.

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Além disso, essas bordas facilitam a entrada de fogo nas florestas, causando incêndios (e somando outros 30% às emissões). Esses efeitos ainda causam a perda da biodiversidade, comprometendo a bioeconomia nacional. Estima-se que causem também uma redução de até 40% da chuva da Amazônia, a mesma que irriga a agricultura no centro-oeste.

Esse contexto não tem impactos negativos apenas para o meio ambiente, mas afeta a economia. Enquanto o desmatamento impossibilita a captação de bilhões de dólares, ele também favorece o descontrole das queimadas. Para se ter uma ideia, as queimadas que ocorreram no Acre entre 2008 e 2012 geraram perdas superiores a 300 milhões de dólares. O desmatamento e a redução de chuvas têm consequências drásticas ao agronegócio — atividade que sustenta mais de 40% das exportações brasileiras, o equivalente a 86 bilhões de dólares anuais (2010-2019) segundo o Ministério da Economia.

A resposta nacional, contudo, parece-me antagônica. Nosso atual discurso internacional preza a sustentabilidade e os investimentos na área ambiental, mas não converge com o que vemos na prática. Projetos de lei controversos, buscando a descriminalização da ocupação ilegal de terras públicas e a flexibilização do licenciamento ambiental, adicionados a uma drástica redução dos orçamentos, esgotam as maiores reservas de biodiversidade do planeta, aceleram as mudanças climáticas e comprometem o desenvolvimento nacional.

Um país com 750.000 km2 de áreas degradadas, o dobro da área de soja plantada hoje, não tem justificativa para desmatar. A produção agrícola não depende de mais terras, mas de uma gestão sustentável e tecnologias que promovam o aumento de produtividade. Acordar para as prioridades do século 21 é condição inegociável para desenvolver o gigante pela própria natureza.

Sobre o autor

Luiz Aragão é pesquisador e chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

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