Não é mais segredo para ninguém. O gesto tornou-se mecânico, um reflexo: desbloquear o celular e iniciar a rolagem infinita. O que estudos recentes e especialistas como a psicóloga Vera Lopes nos revelam, no entanto, é que esse ato aparentemente banal é, na verdade, a ponta de um iceberg de um projeto econômico perverso. A epidemia de ansiedade e depressão que assola nossa geração, com mais de um bilhão de pessoas afetadas globalmente, não é um acidente de percurso; é, em grande medida, o subproduto lucrativo de uma máquina que comercializa a nossa atenção e mina o nosso bem-estar.
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A dinâmica do scroll infinito, que ativa os circuitos de dopamina no cérebro de forma similar a um cassino digital, não foi desenvolvida por acaso. Ela é a engrenagem central de um modelo de negócio que depende do nosso tempo de tela. Cada minuto que passamos ansiosamente buscando a próxima recompensa é um minuto monetizado por anúncios e algoritmos. A “dependência” da qual fala a psicóloga não é uma falha de caráter individual, mas uma característica de design.
Enquanto a Organização Mundial da Saúde soa o alarme sobre os transtornos mentais, as grandes plataformas tecnológicas seguem colhendo lucros recordes. A comparação social, que gera sentimentos de inadequação e depressão, é o combustível que mantém a economia da inveja e do consumo em funcionamento. Ao nos apresentar vidas idealizadas e inatingíveis, essas redes criam um vazio existencial que o próprio sistema se oferece para preencher – com mais consumo, mais cursos de autoajuda e mais produtos que prometem a felicidade que as plataformas, propositalmente, nos fazem sentir falta.
As recomendações da Dra. Vera Lopes para um “uso consciente e afetivo” são, sem dúvida, valiosas no plano individual. Definir horários, silenciar notificações e buscar momentos offline são atos de resistência necessários. Mas é ingênuo acreditar que a solução para um problema estrutural repousa exclusivamente na força de vontade de cada um. É como pedir para um indivíduo parar de respirar fumaça em uma fábrica em chamas. A responsabilidade não pode ser terceirizada apenas para o usuário, que luta contra uma engrenagem bilionária projetada para capturar sua mente.
Precisamos, urgentemente, elevar o nível do debate. A esquerda progressista deve colocar na pauta a regulação dessas plataformas como uma questão de saúde pública. Isso significa ir além das discussões sobre fake news e atacar o cerne do problema: o modelo de negócio baseado na vigilância e na exploração da vulnerabilidade psicológica. É preciso discutir a quebra dos monopólios de dados, a taxação de lucros extraordinários que são gerados à custa do nosso esgotamento coletivo e a criação de leis que obriguem essas empresas a adotarem designs menos predatórios.
A fala da Dra. Vera de que “as redes sociais não são vilãs” é tecnicamente correta. Elas são ferramentas. O problema, como ela mesma aponta, é quando “elas ditam nosso ritmo, nosso humor e nossa percepção de valor”. E é exatamente isso que o capitalismo de vigilância faz: transforma a nossa subjetividade em commodity. A luta por uma sociedade mentalmente mais saudável é, portanto, inseparável da luta por um modelo de tecnologia que sirva à humanidade, e não a um punhado de acionistas em Silicon Valley. Recuperar a autoría sobre nossas próprias vidas, como conclui a psicóloga, é um ato político de desobediência contra um sistema que nos adoece para lucrar.


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