Latifúndio no Maranhão escraviza e lista suja cresce 20% no Brasil

Querem apagar o fogo com gasolina, tratando a vítima como parte de um acordo e o algoz como um parceiro em “ajustamento de conduta”.

A divulgação semestral da chamada “lista suja” do trabalho escravo pelo Ministério do Trabalho e Emprego é sempre um momento de constrangimento nacional. Um lembrete amargo de que a peça mais arcaica e cruel de nossa formação social continua a se reproduzir nos interstícios da economia moderna. A última atualização, que incluiu 159 novos nomes (um aumento de 20%), com o Maranhão figurando entre os estados com mais casos, não é uma anomalia. É a expressão de um projeto econômico que, em setores fundamentais como a agricultura, as carvoarias e a construção civil, ainda encontra na superexploração da vida sua base de lucratividade.

Analisar a lista maranhense é fazer uma radiografia da desigualdade brasileira. São dezenas de fazendas, carvoarias e pedreiras, muitas delas com nomes pomposos como “Floresta Verde”, “Império Verde”, que mascaram uma realidade de degradação humana. A repetição de nomes de empresas, como a “Mata Fria Indústria e Comércio LTDA”, citada em múltiplas propriedades, não indica mero descuido, mas a operação de um modus operandi consolidado, que vê a fiscalização como um risco operacional eventual, e não como um freio moral.

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É aqui que a análise precisa ir além da mera condenação individual dos empregadores. A estrutura que permite a reincidência é política. A portaria de julho do ano passado, que criou a possibilidade de exclusão antecipada da lista mediante um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), é um exemplo perigoso de conciliação com o inadmissível. Permitir que um empregador pague 20 salários mínimos (um valor que, na prática, muitas vezes não restitui nem a dignidade, quiçá os anos de vida roubados) e tenha seu nome “limpo” em um cadastro paralelo é transformar um crime hediondo em uma mera infração administrativa, um custo a ser contabilizado.

Essa lógica da negociata, infelizmente, não é nova. Reflete a correlação de forças de um Congresso e de um Judiciário historicamente permeáveis aos interesses do agronegócio e do grande capital rural. É a mesma lógica que, ano após ano, tenta descaracterizar o conceito de trabalho escravo, buscando restringi-lo apenas ao cerceamento da liberdade, ignorando as condições degradantes, a jornada exaustiva e a servidão por dívida que caracterizam a escravidão contemporânea. Querem apagar o fogo com gasolina, tratando a vítima como parte de um acordo e o algoz como um parceiro em “ajustamento de conduta”.

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O combate efetivo a esse crime exige mais do que listas e fiscalizações, por mais essenciais que sejam. Exige o enfrentamento do latifúndio improdutivo e do modelo de produção que dele deriva. Exige a intensificação da reforma agrária, não como uma política do passado, mas como uma urgência do presente, para criar alternativas reais de vida e trabalho no campo. Exige a responsabilização criminal efetiva dos envolvidos, com a expropriação de terras onde for comprovada a prática, transformando-as em assentamentos para os que nela foram escravizados.

A “lista suja”é um espelho. E o que ela reflete é um Brasil que teima em não superar seus piores fantasmas. Enquanto a economia do Maranhão e do país for sustentada, em parte, pela violação sistemática de direitos humanos fundamentais, toda nossa riqueza será manchada por esse sangue e suor. A liberdade não é negociável, e a dignidade do trabalho não pode ser o preço do lucro de alguns.

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