Os Arquitetos do Caos Enfrentam a Prisão que Ajudaram a Criar

A superlotação de 56% é a consequência direta de uma política de Estado que prioriza a punição sobre a ressocialização, o cárcere sobre a educação, a vingança sobre a justiça.

📝 Este é um editorial do Portal Cubo.
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A justiça, ainda que tardia, possui um senso de humor ácido. A notícia de que Jair Bolsonaro e seus principais comandantes militares e policiais podem ser encaminhados ao Complexo da Papuda, um sistema carcerário notoriamente superlotado e desumano, é carregada de uma ironia histórica profunda. São os mesmos homens que, no poder, pavimentaram com discursos de ódio e políticas negligentes o caminho para o colapso penitenciário, que agora se veem às portas de colher os frutos amargos da plantação que regaram.

Durante quatro anos, o projeto de governo bolsonarista teve como um de seus pilares centrais a cultura do encarceramento em massa e a glorificação da violência penal. A gestão da justiça e da segurança pública foi pautada pelo lema “bandido bom é bandido morto”, uma bravata que, na prática, significou a ampliação de políticas de superlotação, a negligência com a vida dos presos e o estímulo a um estado permanente de guerra nas periferias. A preocupação com os direitos humanos (inclusive os dos encarcerados) era sistematicamente ridicularizada como “defesa de bandidos” pelo próprio ex-presidente e sua corte.

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Agora, a roda da fortuna gira. Os dados da Secretaria de Administração Penitenciária do DF são um retrato cru do abandono: a Papuda, projetada para pouco mais de 10 mil pessoas, abriga quase 17 mil almas. A superlotação de 56% é a consequência direta de uma política de Estado que prioriza a punição sobre a ressocialização, o cárcere sobre a educação, a vingança sobre a justiça. A água imunda, a comida infestada de impurezas e a convivência forçada com facções são a materialização de um sistema que esses mesmos homens ajudaram a afundar ainda mais na barbárie.

A morte de Cleriston Pereira da Cunha, réu do 8 de Janeiro, foi um prenúncio. Um alerta ignorado por aqueles que, do alto do poder, defendiam a austeridade penal apenas para o “outro”, para o pobre, para o preto, para o inimigo político. A defesa dos direitos humanos, que eles tanto vilipendiaram, revela-se agora seu último e mais frágil escudo. É um paradoxo trágico: para evitar o destino que ajudaram a forjar para milhares, eles serão obrigados a invocar os mesmos princípios que tentaram erradicar do debate público.

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Não se trata de defender que qualquer ser humano, inclusive Bolsonaro e seus aliados, deva ser submetido a condições desumanas. Pelo contrário. A exposição deles a essa realidade brutal deve servir como um espelho para a nação. Se a perspectiva de um ex-presidente trancafiado na Papuda causa alarme, por que a mesma comoção não é gerada diariamente pelos milhares de anônimos que apodrecem nas mesmas condições? Se a água suja é inaceitável para ele, é inaceitável para todos.

A possível ida de Bolsonaro para a Papuda é sobre a exposição máxima da hipocrisia de um projeto político que sempre tratou a violência do Estado como uma arma a ser apontada para os lados de baixo, nunca para os de cima. É a demonstração final de que o monstro da violência penal descontrolada, uma vez solto, não distingue ideologia ou classe. Ele consome a todos.

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Que este episódio sirva não para celebrar o sofrimento alheio, mas para forçar um debate urgente e civilizatório sobre o que fazemos com nosso sistema prisional. O mesmo sistema que pode receber um ex-presidente é o mesmo que destrói diariamente a vida de jovens pobres. A reforma não é mais uma opção; é uma necessidade que se impõe, ironicamente, através daqueles que mais fizeram para sabotá-la. A justiça, às vezes, chega vestida de cruel lição.

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