Todo ano é a mesma peça de teatro, com atores diferentes, mas o roteiro, sabemos de cor. Enquanto os ônibus de São Luís pegam fogo literal e figurativamente, a população é refém de um palco onde se encena a incompetência, a ganância e a conivência do poder público. A recente paralisação dos trabalhadores rodoviários de uma única empresa que pode acabar envolvendo todas as empresas de transporte público, não é um acidente de percurso; é o sintoma mais agudo de uma doença crônica: a privatização de um serviço essencial.
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O cerne da crise, que se repete até a náusea, é a natureza perversa do modelo. O transporte público em São Luís é um negócio. E, como todo negócio no capitalismo desregrado, seu norte é o lucro, não o serviço. Quando a manutenção vira “custo a ser cortado” e o salário do trabalhador vira “despesa a ser atrasada”, o que sobra para o usuário? Um serviço caro, inseguro e decadente. A queda de mais de 50% no número de passageiros desde 2016 não é uma surpresa; é a resposta lógica de uma população que não se sente segura e não vê vantagem em pagar por um desastre.
O discurso das empresas, ecoado pelo SET, é sempre o mesmo: a tal “tarifa técnica”. Alegam que, em vez dos R$ 4,50, precisariam cobrar R$ 7,30 para cobrir os custos. O que essa narrativa convenientemente omite é a transparência sobre que custos são esses. Quanto vai de fato para a manutenção da frota e quanto é destinado à margem de lucro dos acionistas? A população, que paga a conta duplamente (com a tarifa e com o serviço precário) tem o direito de saber.
Enquanto isso, a Prefeitura, que deveria ser a fiadora do interesse público, age como um mero espectador, ou pior, como um cúmplice. A concessão de “tarifas políticas” sem seguir o contrato é um artifício eleitoreiro que apenas adia o colapso e transfere a crise para os trabalhadores e usuários. O atraso nos subsídios e a falta de reajuste contratual não são falhas de gestão; são a prova de que o poder público foi cooptado pelos interesses do setor privado, o famoso “SET que manda e desmanda”, como bem apontado.
Não se trata de defender um estatismo puro e simples, mas de afirmar o óbvio: setores estratégicos e essenciais, como o transporte, não podem ser geridos com a lógica do mercado. A vida das pessoas não pode ser um balcão de negócios. A necessidade de deslocamento de um trabalhador não é uma commodity.
A situação em São Luís é um retrato em miniatura do fracasso do projeto neoliberal. Ele demonstra, na prática, como a entrega do bem comum à iniciativa privada gera ineficiência, corrói direitos e penaliza os mais pobres. Os donos das empresas de ônibus certamente não enfrentam a dificuldade de um dia sem salário ou a angústia de esperar por um ônibus que nunca vem, ou que pode incendiar a qualquer momento.
A solução não é um novo remendo no mesmo modelo falido. A saída passa por um debate corajoso sobre a municipalização ou a estatização do sistema, com gestão pública, transparente e participativa, onde o trabalhador e o usuário tenham assento na mesa de decisões. Enquanto o transporte for tratado como um “osso” a ser disputado por empresários, com a prefeitura como espectadora, continuaremos todos reféns, assistindo à mesma tragédia se repetir, ano após ano, até que o palco inteiro vire fumaça.


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