Trump adota “Bolsa-Família” americano em medida populista que expõe crise nos EUA

O “Bolsa Família” trumpista, no entanto, carrega as marcas indeléveis de sua origem oportunista.

Em um movimento que deveria causar profundo desconforto aos liberais e até mesmo a direita brasileira, o presidente norte-americano Donald Trump anunciou um programa de transferência de renda direta aos cidadãos. A imagem é, no mínimo, surreal: o magnata bilionário, ícone do capitalismo mais agressivo, replicando, por interesse eleitoral, uma política pública que, no Brasil, foi historicamente defendida e implementada pela esquerda.

Trump, em sua habitual encenação nas redes sociais, apresentou o pagamento de US$ 2.000 como um “dividendo” de sua bem-sucedida gestão econômica, algo surreal porque aqui no Brasil, a direita achou um absurdo o pagamento de até 600 reais. A retórica é a de um benfeitor, um pai que recompensa seus filhos. A realidade, porém, é a de um estrategista que não hesita em adotar o instrumento que sua base mais despreza, desde que isso garanta poder. Ele percebeu, talvez antes de muitos de seus críticos, que o Estado, quando quer, pode de fato colocar dinheiro no bolso do povo.

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O “Bolsa Família” trumpista, no entanto, carrega as marcas indeléveis de sua origem oportunista. É um programa nascido não de um projeto de nação, mas de uma compensação por uma crise que ele mesmo gerou: as tarifas internacionais que encarecem a vida do trabalhador. É uma esmola, não um direito. E, como toda esmola, é volátil, discricionária e desconectada de qualquer política de Estado que garanta emancipação e dignidade permanentes.

Enquanto distribui este cheque, Trump simultaneamente sabota os pilares de um verdadeiro estado de bem-estar social. O acordo para encerrar o shutdown governamental, o mais longo da história dos EUA, falhou em proteger os créditos do Affordable Care Act (o “Obamacare”). Isto é: oferece um alívio monetário imediato enquanto permite que os custos com saúde (uma despesa crônica e devastadora para as famílias) disparem. É a lógica perversa do capital que joga migalhas para evitar que o povo questione quem está com o bolo inteiro.

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A lição que fica não é que Trump “se tornou de esquerda”. Essa é uma leitura ingênua e perigosa. A lição é que o populismo de direita é pragmaticamente amoral: ele se apropria de bandeiras progressistas, esvazia-as de seu conteúdo transformador e as usa para consolidar seu projeto de poder, mantendo intactas as estruturas que geram desigualdade.

O verdadeiro desafio para a esquerda, no Brasil e no mundo, é resgatar a agenda da distribuição de renda como um projeto de soberania popular e não de assistencialismo estatal. É lembrar que o Bolsa Família, em sua concepção original, era mais que um auxílio; era um elo de cidadania, vinculado à educação e à saúde. Enquanto nós discutimos teoria, a direita aprendeu a fazer política (porque sempre teve a política em seu colo) e não hesita em usar nossas próprias ferramentas, ainda que de forma distorcida, para seguir no comando. A batalha das ideias nunca foi tão urgente.

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