A condenação de Elizeu Carvalho de Castro, o “Baiano”, a 27 anos de prisão pelo assassinato brutal de Ana Caroline Campêlo, é um alívio para a consciência coletiva e um raro triunfo da justiça formal em um país que frequentemente falha com suas vítimas. A sentença do juiz Bruno Chaves de Oliveira foi incisiva ao destacar a frieza, a crueldade e a “desfiguração completa” do rosto de Ana Caroline, atos que revelam mais do que a simples intenção de matar; revelam a vontade de apagar uma existência, de negar humanidade.
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No entanto, reduzir este caso a um crime passional ou a um ato de loucura isolado é uma violência tão grande quanto a original. Os movimentos sociais, com a clareza de quem vive na pele a ameaça diária, acertam ao nomear o ocorrido pelo que verdadeiramente foi: um lesbocídio. Ana Caroline foi sequestrada, torturada e assassinada porque era lésbica. A brutalidade específica, a mutilação do rosto carrega o simbolismo perverso de querer eliminar uma identidade, uma orientação sexual, um modo de ser que o agressor não tolerava.
Este não é um caso isolado. É a expressão mais aguda e monstruosa de uma guerra cotidiana travada contra corpos que ousam existir fora da norma heterossexual e cisgênera. É o desfecho trágico de uma sociedade que, estruturalmente, alimenta o ódio. Um ódio que é sussurrado em piadas homofóbicas, que é pregado em púlpitos que distorcem a fé para fins de exclusão, e que é, não raramente, acobertado por um Estado que se omite.
A condenação de Baiano é uma resposta necessária, mas é apenas o fim de um capítulo. Ela não devolve a vida de Ana Caroline, nem apazigua o luto de sua família e da comunidade LGBTQIAP+. E, acima de tudo, ela não desmonta a máquina de ódio que produz novos agressores todos os dias. Enquanto o poder público tratar a violência LGBTIfóbica como uma questão secundária, enquanto a educação sexual e de gênero for combatida nas escolas, enquanto a representatividade for minada, estaremos apenas enxugando gelo enquanto mais sangue corre.
A prisão perpétua não existe no Brasil, e a sentença de 27 anos, embora longa, terá um fim. O que faremos como sociedade para garantir que, quando Baiano deixar a prisão, uma nova Ana Caroline não seja vítima do mesmo ódio que nós, coletivamente, nos furtamos a erradicar? A justiça penal é reativa; a verdadeira transformação é preventiva. Exige políticas públicas efetivas, educação para o respeito e uma mudança cultural profunda.
Honrar a memória de Ana Caroline é lutar por um país onde nenhuma outra jovem precise temer a simples volta para casa, onde seu amor não seja motivo para sua morte. A sentença está dada. Agora, a sentença para a nossa omissão social ainda está por ser escrita.


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