Quando o assunto é insegurança alimentar, as mulheres negras são o grupo mais vulnerável ao chamado duplo fardo da má nutrição – quando há baixo peso e obesidade presentes nos índices. É o que mostra artigo publicado na revista científica Food Security na quinta (30) por pesquisadores das universidades federais da Paraíba (UFPB) e do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade de São Paulo (USP).
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Entre as pessoas que vivem em insegurança alimentar, mulheres negras apresentaram 42% mais chance de obesidade e 41% mais chance de baixo peso em relação a homens brancos em situação de segurança alimentar, que são o grupo controle do estudo. Já as mulheres brancas em insegurança alimentar mostraram 40% mais chance de obesidade. Considerando o recorte das pessoas negras em insegurança alimentar, a obesidade foi mais prevalente em mulheres (15,95%) do que em homens (10,84%).
Para chegar a esses resultados, o estudo utilizou dados de mais de 46 mil participantes do Inquérito Nacional de Alimentação (INA), que é um módulo dentro da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses dados são considerados os mais abrangentes e os mais representativos da população brasileira para entender a distribuição da má nutrição.
Sobre esses dados, foi aplicada a lente da interseccionalidade, um conceito das ciências humanas e sociais que busca entender a sobreposição de marcadores sociais ou de formas de opressão. Ou seja, em vez de estudar gênero, raça e insegurança alimentar separadamente, o objetivo foi observar as nuances que essas características produzem juntas, explica Sávio Marcelino Gomes, pesquisador da UFPB e autor principal do artigo.
Gomes explica que as desigualdades sociais devem integrar os estudos sobre a sindemia global, uma teoria que considera a interferência das mudanças climáticas na prevalência de obesidade e desnutrição. “O que o nosso artigo traz é que essa sindemia afeta grupos de forma desproporcional. Portanto, qualquer medida deve considerar obrigatoriamente as desigualdades sociais, já que a exposição à má nutrição não é a mesma para todos”, pontua o pesquisador.
O resultado ressalta a importância de políticas públicas que priorizem as mulheres negras, o grupo mais vulnerável à insegurança alimentar, e a necessidade de que as ações de combate à obesidade e à fome sejam integradas.
O grupo de pesquisa pretende avançar na agenda interseccional para um “retrato mais fiel” das desigualdades, explica Gomes. Um foco imediato é o estudo da insegurança alimentar em pessoas trans na Paraíba, que evidencia a identidade de gênero como elemento fundamental nos desenhos políticos. Outra frente de trabalho aplicará a interseccionalidade às variáveis do ambiente alimentar. “O grupo está disponível para conversar com os gestores e produzir relatórios técnicos. A ideia é que essas informações circulem ativamente para informar o poder público e ajudar a traçar novos caminhos”, conclui o pesquisador.


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