Parecia óbvio que o aumento de preços dos alimentos poderia provocar mudanças nas escolhas do que comer entre os brasileiros, mas um grupo de pesquisadoras do departamento de economia rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV) decidiu fazer uma medição mais exata desta relação.
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Em um artigo publicado nesta sexta-feira (17) no periódico científico Estudos Econômicos pelas pesquisadoras Aline Carolina Rodrigues, Maritza Rosales e Lorena Viena Costa, foi demonstrado que o acréscimo de R$ 1 na cesta básica pode aumentar em 13 pontos percentuais o risco de domicílios entrarem em situação de insegurança alimentar. No Brasil, cerca de um terço das famílias estão em algum estágio de insegurança alimentar (que varia entre leve, moderado e grave)
Outro achado do levantamento foi que, frente à redução de renda, famílias optam por consumir alimentos in natura ao invés de alimentos ultraprocessados.
Para calcular os efeitos do aumento do preço sobre o status de segurança alimentar, as cientistas utilizaram dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018, mais atuais disponíveis na época de realização do estudo, e limitaram a análise às regiões metropolitanas, que tinham disponíveis dados sobre o preço da cesta básica medidos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
A classificação de segurança alimentar em quatro níveis usada pelas pesquisadoras foi a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, fornecida pela POF, e a classificação de tipos de alimentos seguiu as diretrizes da Nova, presente no Guia Alimentar para a População Brasileira.
A equipe buscou uma relação causal entre a variação de preço e a mobilidade dos domicílios entre as categorias de segurança alimentar, considerando que as famílias não tem capacidade, por si sós, de alterar os preços.
Assim, elas identificaram que domicílios nos estratos mais vulneráveis de segurança alimentar – ou seja, em situação de insegurança alimentar grave – sofrem impacto menor com a mudança nos preços, enquanto pessoas que estão em situação de segurança alimentar podem acabar entrando no estrato de insegurança leve mais facilmente com o aumento dos preços dos alimentos.
“Mudanças nos preços prejudicam pessoas de formas diferentes, mas as famílias que se encontram em estado de segurança alimentar têm mais chance de entrar em insegurança alimentar, porque quem está no estrato mais grave já não tem acesso a quase nada”, comenta Aline Caroline Rodrigues, uma das autoras do artigo. “As famílias que começam a ter redução na renda consomem menos alimentos ultraprocessados porque preferem itens que rendem mais porções, como arroz e feijão, que são mais nutritivos e sustentam mais, evitando a fome por mais tempo”, diz a pesquisadora.
O estudo foi feito entre 2020 e 2021, no início da pandemia de covid-19, e, por isso, Rodrigues acredita que, em 2025, o cenário pode ser ligeiramente diferente já que os hábitos alimentares foram afetados nos últimos anos. “O aumento nos preços compromete a renda e faz com que as pessoas tenham que fazer escolhas. E a tendência é que elas mantenham recursos na alimentação, mas o que assusta é que, nos últimos anos, quase metade da renda dos brasileiros é comprometida com a alimentação”, aponta Rodrigues. Em São Paulo, segundo o Dieese, a cesta básica custa cerca de 60% do salário mínimo e é considerada a mais cara do país.
O grupo espera que o estudo possa fazer com que tomadores de decisão utilizem os dados para elaboração de políticas públicas voltadas para a manutenção de famílias em situação de segurança alimentar. “Não devemos esperar as pessoas caírem na insegurança alimentar para olhar para elas, as políticas públicas precisam olhar para todos os estratos”, afirma Rodrigues.


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