📝 Este é um editorial do Portal Cubo.
As opiniões aqui expressas refletem a visão do Cubo e têm como objetivo promover o debate crítico sobre temas relevantes à sociedade.
O artigo de opinião assinado por Joaquim Haickel, que circulou recentemente, intitulado como “‘O começo do fim’…” apresenta uma leitura perigosa e seletiva dos últimos anos da política brasileira. Seu núcleo argumentativo é a mesma narrativa que, vestida de suposta defesa da legalidade, busca na verdade minar as instituições que repetidamente se ergueram como o último bastião contra o autoritarismo e o desmonte do Estado Democrático de Direito.
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A tese central do articulista (a de que o Supremo Tribunal Federal deu um “golpe” na separação de Poderes a partir de 2016) ignora, convenientemente, o contexto de exceção no qual a Lava Jato operava. A decisão que impediu a posse do ex-presidente Lula na Casa Civil foi uma medida cautelar emergencial diante de evidências gravíssimas de obstrução de justiça. A nomeação, claramente articulada para conferir foro privilegiado a um investigado, era um escandaloso desvio de finalidade. O STF, longe de “inventar” uma atribuição, cumpriu seu dever constitucional de ser o guardião da Carta Magna, impedindo que um ato do Executivo fosse usado para esvaziar a própria Justiça.
Ao equiparar este episódio à nomeação de Alexandre Ramagem, em 2020, o autor comete um erro grosseiro de falsa simetria. Ramagem, então chefe da Abin, era figura central nas investigações sobre o uso do aparato de inteligência do Estado para beneficiar politicamente a família Bolsonaro. A nomeação para a PF era, assim como no caso de 2016, uma manobra flagrante para interferir e controlar polícias que investigavam o próprio Presidente. O ministro Alexandre de Moraes agiu, mais uma vez, para travar uma tentativa clara de politicagem e obstrução.
A crítica ao inquérito das fake news é ainda mais sintomática. O autor lamenta a ausência de “provocação do Ministério Público”, como se a Corte Suprema, diante de uma campanha organizada e financiada de desinformação, ameaças a ministros e ataques às instituições, devesse cruzar os braços e aguardar passivamente uma formalidade processual. O inquérito foi uma resposta necessária a um crime em curso – uma guerra híbrida contra a democracia, que exigia e exige medidas enérgicas de contenção. A alegação de que o relator acumulou funções desconsidera por completo a natureza colegiada do STF, onde todas as decisões mais relevantes são submetidas e validadas pelo plenário.
Por fim, a tentativa de equiparar a reação enérgica do STF aos ataques terroristas de 8 de janeiro a um suposto “autoritarismo” é, no mínimo, cínica. Diante de uma tentativa organizada de golpe de Estado, com invasão e destruição dos Três Poderes, era dever do Estado reagir com rigor. As prisões e as condenações seguiram e seguem o rito legal, dentro de um processo judicial que garante ampla defesa. Questionar a atuação do STF nesse contexto é, na prática, relativizar a gravidade dos crimes e alimentar a narrativa dos próprios golpistas.
O que o artigo de Haickel chama pejorativamente de “protagonismo” do STF é, na verdade, a sua função contramajoritária. Em momentos de crise, quando o Executivo e o Legislativo se mostram capturados por projetos autoritários ou coniventes com a quebra da ordem democrática, cabe ao Judiciário intervir para restaurar o equilíbrio. A Corte não “invadiu” competências alheias; foi convocada a agir pelo vácuo de liderança e pela transgressão institucional perpetrada pelos próprios Poderes que hoje criticam sua atuação.
A verdadeira ruptura democrática não foi em 2016. Ela foi gestada na Lava Jato, com seus métodos ilegais e lawfare, e tentou consumar-se no bolsonarismo, com seu negacionismo, seu desprezo pelas instituições e seu assédio constante às Forças Armadas. O STF, com todos os seus defeitos e a complexidade de suas decisões, tem sido a trincheira que impede o avanço definitivo do projeto autoritário no Brasil. Defender a democracia, hoje, passa inevitavelmente por entender e apoiar esse papel. Qualquer outra leitura é revisionismo perigoso.


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