Enquanto milhões de brasileiros enfrentam filas por uma cesta básica e o Maranhão segue como um dos estados mais pobres do país, os tribunais de Contas estaduais distribuem generosas remunerações acima do teto constitucional para seus conselheiros. Um levantamento do GLOBO revela que, em pelo menos 22 unidades da federação, esses servidores recebem vencimentos que ultrapassam – e muito – os R$ 46 mil mensais estabelecidos como limite pela Constituição. No Maranhão, a média é de R$ 73,6 mil; em Alagoas, um conselheiro chegou a embolsar R$ 180 mil em um único mês.
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Esses valores astronômicos não vêm apenas do salário-base, que já gira em torno de R$ 40 mil, mas de uma série de “penduricalhos” disfarçados de verbas indenizatórias: auxílio-saúde, gratificações por acúmulo de função, licença-prêmio e outras artimanhas jurídicas que permitem que o teto seja simplesmente ignorado. Pior: como não são considerados remuneração, esses benefícios escapam do Imposto de Renda e da contribuição previdenciária. Ou seja, além de receberem mais do que a lei permite, esses agentes públicos pagam menos impostos que um trabalhador assalariado.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sustentam que o teto constitucional não se aplica a verbas indenizatórias, criando uma brecha que transformou o serviço público em um cassino de privilégios. Enquanto governos estaduais alegam falta de recursos para saúde e educação, os tribunais de Contas – que deveriam fiscalizar justamente o uso do dinheiro público – aprovam pacotes de benefícios que multiplicam seus próprios salários.
É sintomático que, no mesmo país onde o auxílio emergencial foi reduzido e o Bolsa Família enfrenta resistência de setores conservadores, não haja qualquer constrangimento em pagar R$ 180 mil a um conselheiro.Para os pobres, o Estado exige contas; para as elites do funcionalismo, o orçamento é um balcão de negócios.
Propostas para fechar essa brecha existem – como a PEC do ex-senador José Aníbal (PSDB-SP), que pretendia incluir todas as verbas no teto constitucional. Mas, como sempre, falta vontade política. Enquanto isso, pelo menos dez estados discutem novos reajustes e benefícios para seus conselheiros, aprofundando o abismo entre o serviço público de elite e a população que sustenta esses privilégios.
Não se trata de criminalizar servidores públicos – muitos deles essenciais e mal remunerados –, mas de denunciar um sistema perverso que concentra renda dentro do próprio Estado. Se o teto salarial existe, ele deve valer para todos, sem subterfúgios. Se a crise fiscal é real, ela não pode ser usada apenas para cortar direitos dos mais pobres, enquanto uma casta de burocratas vive à sombra de regalias.
Algumas cortes argumentam que cumprem a lei e disponibilizam contracheques em portais de transparência. Mas transparência, sozinha, não resolve a injustiça. É preciso rever as interpretações que permitem esse esbulho do erário e exigir que o STF feche de vez as brechas que legalizam a desigualdade dentro do próprio Estado.
Enquanto o Maranhão tem 7,84% de sua população abaixo da linha da pobreza, enquanto professores e médicos lutam por salários dignos, enquanto o SUS definha por falta de verba, não há justificativa ética, política ou jurídica para que meia dúzia de conselheiros ganhem mais em um mês do que uma família maranhense em dez anos.
O Brasil precisa escolher: ou é um país para todos, ou continuará sendo um feudo de privilégios para poucos. E os tribunais de Contas, que deveriam zelar pelo dinheiro público, estão dando o pior dos exemplos.
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