Vídeo sobre ‘cartilha’ de educação sexual para crianças é antigo; livro nunca foi distribuído em escolas públicas

O livro Aparelho Sexual e Cia, mostrado no vídeo, nunca foi distribuído em escolas da rede pública do país.

Circula no WhatsApp um vídeo no qual uma criança segura um livro ilustrado sobre educação sexual. Na gravação, dois adultos narradores mostram a capa e as páginas da obra, intitulada Aparelho Sexual e Cia, e afirmam que o exemplar pertencia a um senhor cujo filho teria recebido essa “cartilha” no colégio — o nome da escola não é citado em nenhum momento. Ao folhear as páginas e ler alguns trechos, os autores sugerem que isso seria uma prova para quem não acreditava que o livro existia. A gravação é acompanhada do letreiro “seja sincero… Bolsonaro estava errado?” Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que esse conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação​:

“Encontramos um senhor que tem essa cartilha. O filho dele recebeu no colégio. Para quem achou que era mentira: é um ‘guia inusitado para crianças descoladas’ (…). Aqui ó, o menino pode gostar de outro menino, uma menina pode gostar de outra menina. Tem coisas piores ainda (…). Para quem não acredita (…), eu tive a oportunidade de ver (…)”

Conteúdo de vídeo que circula em grupos de WhatsApp

FALSO

A informação analisada pela Lupa é falsa. O livro Aparelho Sexual e Cia, mostrado no vídeo, nunca foi distribuído em escolas da rede pública do país. Por email, a assessoria de imprensa do Ministério da Educação (MEC) confirmou que nunca adquiriu esse livro para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Além disso, o vídeo é antigo. A mesma gravação já havia sido compartilhada em correntes de WhatsApp em 2018 e desmentida na época. 

Em 2018, o livro foi o centro de pelo menos duas polêmicas provocadas pelo então candidato à presidência Jair Bolsonaro (sem partido). Em 28 de agosto daquele ano, Bolsonaro mostrou um exemplar durante entrevista ao Jornal Nacional e afirmou, sem provas, que a obra era parte de um “kit gay” e que tinha sido comprado pelo MEC para ser distribuído nas escolas públicas — o que não é verdade. Bolsonaro foi desmentido na época pelo próprio MEC e pela Companhia das Letras, editora pela qual o livro foi publicado no Brasil.

Ainda em 2018, em outubro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que fossem suspensos os links de sites e de redes sociais com a expressão “kit gay” usados pela campanha de Bolsonaro, à época candidato pelo PSL. Depois da entrevista ao Jornal Nacional daquele ano, o político falou sobre o assunto em suas redes sociais diversas vezes e usou o tema para atacar o adversário, o então candidato à presidência Fernando Haddad (PT). Na ocasião, ele afirmava que o livro era “coisa do PT” e que a obra tinha sido distribuída quando Haddad era ministro da Educação. 

Dois anos antes de sua candidatura oficial, em janeiro de 2016, Bolsonaro já havia criado um boato envolvendo o mesmo livro. Na época, o então deputado federal pelo PP do Rio de Janeiro acusou o MEC de distribuir exemplares na rede pública, o que foi desmentido pelo ministério. Já naquele ano ele afirmava que era “o livro do PT, livro do Lula e da Dilma Rousseff.”

Kit gay 

O “kit gay” a que Bolsonaro se referia foi um nome pejorativo dado a uma cartilha produzida em 2010 pelo Escola sem Homofobia, projeto que fez parte do programa Brasil sem Homofobia. Esse programa foi criado pelo governo federal em 2004 com o propósito de combater a violência e o preconceito contra a população LGBTQIA+. A cartilha — composta por vídeos, boletins e um caderno com orientações para professores — foi  pensada especificamente para a formação de educadores e, em nenhum momento, chegou a ter previsão de distribuição para alunos. O livro Aparelho Sexual e Cia também nunca foi incluído. 

Vale pontuar que o projeto Escola Sem Homofobia sequer chegou a ser concretizado. Após pressão da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados, a então presidente Dilma Rousseff (PT) vetou a produção em maio de 2011.

Obra francesa completou 20 anos

O livro Aparelho Sexual e Cia foi publicado pela primeira vez na França, em 2001, pela autora Hélène Bruller e com ilustrações de Zep. O texto original (Le Guide du Zizi Sexuel) foi traduzido para mais de 25 países e foi publicado no Brasil pelo selo juvenil da editora Companhia das Letras, em 2007. Indicada para pré-adolescentes e adolescentes entre 11 e 15 anos, a obra é apresentada pela editora como uma alternativa original para pais e professores quando precisam conversar sobre amor e sexo com jovens. O conteúdo é ilustrado e fala sobre assuntos como as mudanças da puberdade, sexo, contracepção e infecções sexualmente transmissíveis, entre outros.

Esta‌ ‌verificação ‌foi sugerida por leitores através do WhatsApp da Lupa. Caso tenha alguma sugestão de verificação, entre em contato conosco pelo número +55 21 99193-3751.

Editado por: Chico Marés

Por Agência Lupa.

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